Meu Filho, Meu Universo: Um Caminho pelo Autismo
Por um pai que aprendeu a ver o mundo de forma diferente
Quando Rafael nasceu, há 12 anos, imaginei todos os marcos tradicionais que acompanhariam seu crescimento. O primeiro sorriso, as primeiras palavras, os primeiros passos. O que eu não sabia é que nosso caminho seria diferente – não melhor nem pior, apenas diferente. E que essa jornada me ensinaria mais sobre amor, paciência e celebração das pequenas vitórias do que eu jamais imaginaria.
Os primeiros sinais
Com pouco mais de dois anos, Rafael não nos olhava nos olhos. Enquanto outras crianças de sua idade apontavam para objetos que lhes interessavam, ele ficava absorto em seu próprio mundo. Girava as rodas de carrinhos por horas, alinhava objetos em sequências perfeitas, e se desesperava com mudanças na rotina. As palavras que havia aprendido pareciam ter se perdido.
"Ele vai falar quando estiver pronto", diziam alguns. "Meninos são mais lentos mesmo", afirmavam outros. Mas como pais, sentíamos que havia algo mais. Após meses de consultas e avaliações, veio o diagnóstico: Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O luto e o recomeço
Não vou mentir – houve luto. Luto pelo filho que imaginávamos ter, pelos planos que havíamos feito. E junto com o luto, vieram medos e perguntas sem respostas. Conseguiria estudar? Teria amigos? Seria independente um dia?
Mas o tempo é um grande professor. Aos poucos, entendemos que não precisávamos abandonar nossos sonhos – apenas transformá-los. E começamos a celebrar Rafael exatamente como ele é, não como pensávamos que deveria ser.
Nossa rotina diferente
Nossa casa se transformou. Terapias ocupacionais, fonoaudiologia, psicologia – nossa agenda semanal ficou repleta. Aprendemos sobre dietas, estímulos sensoriais, e pictogramas para comunicação. Adaptamos nossa linguagem, nosso tempo, nossa forma de ver o mundo.
As crises sensoriais em supermercados ou festas de aniversário viraram parte da nossa realidade. Aprendi a identificar os gatilhos, a prever quando o ambiente se tornaria demais para ele. Carrego sempre fones de ouvido canceladores de ruído, brinquedos para estímulo sensorial, e uma dose extra de paciência.
As pequenas grandes vitórias
Se há algo que o autismo nos ensinou foi a valorizar cada conquista. O dia em que Rafael aprendeu a amarrar os sapatos – após meses de terapia motora – foi comemorado como uma formatura. A primeira vez que ele me disse "te amo" usando seu tablet de comunicação alternativa, chorei como nunca.
As vitórias não seguem o cronograma esperado, mas quando acontecem, são monumentais. Cada palavra nova, cada interação social bem-sucedida, cada nova comida experimentada – são medalhas invisíveis que carregamos no peito.
Os desafios constantes
Não romantizo nossa jornada. Há dias difíceis – muitos deles. Dias de choro no banheiro, de frustração ao repetir a mesma instrução pela décima vez, de exaustão ao mediar mais uma interação social desafiadora.
Há o olhar de julgamento quando meu filho tem uma crise em público, os comentários de quem acha que "falta disciplina", as festas para as quais não somos convidados porque "seria difícil para ele".
E há a luta constante por direitos – nas escolas, no sistema de saúde, na sociedade. Cada terapia negada pelo plano de saúde, cada adaptação escolar não implementada, cada profissional que trata meu filho como um diagnóstico e não como uma pessoa.
Abril Azul: mais que um símbolo
Quando abril chega com seu símbolo azul e o Dia Mundial de Conscientização do Autismo (2 de abril), tenho sentimentos mistos. Aprecio a visibilidade, mas questiono: estamos realmente conscientizando ou apenas romantizando?
O autismo não é apenas usar azul por um dia. É compreender que meu filho e milhões como ele precisam de uma sociedade que os acolha em sua neurodiversidade. Precisamos de políticas públicas efetivas, educação inclusiva de verdade, e profissionais capacitados.
Não queremos apenas conscientização – queremos ação, aceitação e oportunidades reais.
Os avanços que nos dão esperança
Apesar dos desafios, vivo com esperança. Nos últimos anos, os avanços na compreensão do autismo têm sido notáveis. Quando comparado ao conhecimento que tínhamos quando Rafael foi diagnosticado, parece que estamos em outro mundo.
As pesquisas em neurociência têm revelado mecanismos cerebrais antes desconhecidos. Os métodos terapêuticos são cada vez mais personalizados, menos focados em "normalizar" e mais em desenvolver potencialidades individuais.
A medicina avança na compreensão das comorbidades frequentes – como alterações gastrointestinais, distúrbios do sono e epilepsia – que tanto afetam a qualidade de vida das pessoas com autismo.
As tecnologias assistivas se multiplicam. Rafael usa aplicativos de comunicação que não existiam há dez anos. Dispositivos que ajudam na autorregulação sensorial são cada vez mais acessíveis.
Vozes que encontram eco
Tenho encontrado força na comunidade. Grupos de pais compartilhando experiências, desafios e conquistas têm sido meu porto seguro. Maria, mãe de uma menina autista de 15 anos, me disse algo que nunca esqueci: "Nossos filhos não precisam ser consertados – é o mundo que precisa se adaptar."
Pedro, pai de gêmeos autistas, compartilhou comigo suas estratégias para incluir os filhos em atividades esportivas. Ana, cuja filha autista acaba de ingressar na faculdade, me dá esperança para o futuro.
E ouvir adultos autistas tem sido revelador. Suas perspectivas nos ensinam como podemos ser melhores pais, melhores apoiadores, melhores defensores.
O amor que transforma
Depois de tudo, o que posso dizer com certeza é que meu filho me transformou. Ele me ensinou a desacelerar, a observar detalhes que jamais notaria, a celebrar o mundo de maneiras únicas.
Rafael vê padrões onde só vejo caos, encontra beleza em repetições que me passariam despercebidas, e tem uma honestidade que desarma qualquer convenção social.
Sim, há desafios diários. Sim, há momentos de cansaço profundo. Mas há também um amor que transcende qualquer diagnóstico ou limitação. Um amor que se reinventa a cada dia para atender às necessidades de alguém que experimenta o mundo de forma singular.
Se pudesse voltar no tempo e falar com aquele pai assustado no dia do diagnóstico, diria: "Será difícil, mas você descobrirá forças que nem sabia que tinha. E esse menino lhe ensinará mais sobre amor do que você jamais imaginou aprender."
Este abril, enquanto o mundo se pinta de azul, convido você a ir além dos símbolos. Conheça uma pessoa autista. Ouça suas necessidades. Adapte-se um pouco. A verdadeira inclusão começa quando entendemos que a diversidade neurológica não é um problema a ser resolvido, mas uma parte valiosa da experiência humana.
Este é um relato de ficção em homenagem aos pais com filhos altistas.
Somente eles sabem suas lutas.